quarta-feira, 17 de julho de 2013

Sobre fan fictions, livros digitais, direito dos autores etc

Imagem meramente ilustrativa

Muito interessante esta matéria publicada na Folha de S. Paulo de hoje. Não é sobre livros de Jornalismo, mas é uma boa reflexão sobre livros. Leia abaixo.

Quem é o autor?
Sai o fetiche do livro: escritores e editores viram produtores que exploramhistórias em várias plataformas e as multiplicam em obras coletivas
RAQUEL COZERCOLUNISTA DA FOLHA
Alguma coisa está muito fora do padrão quando a maior livraria on-line do mundo abraça uma causa que há mais de uma década cresce às margens do mercado e à revelia de alguns de seus autores mais vendidos.

Isso aconteceu duas semanas atrás, quando a Amazon estreou a plataforma Kindle Words, pela qual fãs que gostam de criar histórias baseadas em best-sellers --a chamada "fan fiction", que reaproveita cenários e personagens de outros escritores-- podem não só fazer isso legalmente como vender suas criações.

Para criar a plataforma, a Amazon obteve licenças de séries como "Gossip Girl", de Cecily Von Ziegesar, e "Pretty Little Liars", de Sara Shepard. Com isso, tramas que chegavam a ser vistas como plágio agora podem render frutos ao fã, ao escritor que o inspirou e, é claro, à livraria.

Nesse cenário, o autor da história original deixa de ganhar especificamente pela venda de livros e sua obra vira uma marca, licenciada e multiplicada pelas mãos de vários outros escritores.

Esse é o recorte de um momento que o editor americano Richard Nash retrata no provocativo ensaio "Qual o negócio da literatura?", no mais recente número da "Serrote", revista do Instituto Moreira Salles, que será lançado em São Paulo neste domingo.

É um cenário em que autor e editor vão além dos livros para virar produtores de cultura. "A cultura do livro não é fetichismo com o texto impresso; é o movimento da ideia e do estilo na expressão de histórias", escreve Nash.

O texto põe em cheque o direito autoral --justo o que hoje garante a sobrevivência do mercado. Defende que esse direito não foi criado para proteger o autor, mas "nasceu de um interesse meramente corporativo".

O editor explica à Folha: "Uma parcela mínima de escritores faz dinheiro. O direito autoral existe para facilitar ao editor o retorno sobre seu investimento e impedir cópias do seu produto."

Isso num mundo analógico. No digital, defende Nash, "a receita não virá de fazer cópias, virá de serviços, palestras, produtos associados. São formas de gerar receita que independem do faturamento com vendas de livros."

Nesse contexto, entram iniciativas como a plataforma de "fan fiction" da Amazon, festivais literários como a Flip e romances colaborativos como "The Silent History", um aplicativo lançado há pouco no iTunes e que permite aos leitores expandir a história.

Nash, que ganhou em 2005 um prêmio de de criatividade da Associação de Editores Americanos pela editora independente Soft Skull, criou em 2011 um site que explora essas alternativas no que diz respeito ao mercado.

Com 10 mil títulos à venda, o Small Demons é uma enciclopédia de referências literárias: você acha desde uma lista de livros que abordam Bob Dylan até todos os famosos citados em "Infinite Jest", de David Foster Wallace.

FORA DA CURVA
No que diz respeito ao autor, o engenheiro de software brasileiro Silvio Meira enxerga ainda mais possibilidades.

Autor de palestra que, no Congresso do Livro Digital, em junho, lhe rendeu uma emboscada de bibliotecários (insatisfeitos com seu questionamento sobre a importância de bibliotecas físicas no futuro), Meira diz que o escritor já vive cenário multifacetado.

"Conheço dezenas de escritores, mas não conheço nenhum que viva dos livros que escreve. Alguns são colunistas, outros fazem roteiros, outros atuam em editoras", diz.
Apesar disso, no centro de tudo está o livro. "Se alguém pirateia meu livro e o lê inteiro, posso acreditar que estará interessado o suficiente para ir a alguma palestra que eu vá ministrar", exemplifica.

Para ele, os direitos autorais serão vistos no futuro como um ponto fora da curva na história da literatura.

"O autor foi criado pela prensa. Antes de Gutenberg, não existia copyright. As histórias pertenciam às comunidades. Vemos agora uma volta ao coletivo, com mixagem, apropriação de textos. O conceito de autor fica difuso".

É uma visão que editores de grandes casas ainda entendem como algo distante.

CONFIANÇA
"O livro digital ainda está na margem de 2% a 2,5% no faturamento de editoras no Brasil. Pode ser que aconteçam mudanças radicais envolvendo direitos autorais, mas só quando esse mercado for suficientemente grande", diz Pascoal Soto, da LeYa.

Tomas Pereira, da Sextante, estranha a visão de que o direito autoral interesse mais às editoras que aos autores. "Nossa atividade nasce da confiança do autor. O que pagamos a ele representa nosso maior custo de produção."

Ele concorda que quase nenhum autor vive da venda de livros, mas não vê nisso justificativa para o abandono do valor que o leitor se dispõe a pagar pelo livro. Saber por quanto tempo, no modelo que se impõe, haverá disposição para pagar por algo que se pode ter de graça, como lembra Nash, é o mistério.

'O direito de proibir cópias perdeu a importância'
DA COLUNISTA DA FOLHA
Leia trechos da entrevista com Richard Nash, autor do ensaio "Qual o negócio da literatura", na "Serrote".
(RC)
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Folha -- O sr. escreve que o mercado editorial é "um sistema que produz boa literatura apesar de si mesmo". Pode explicar essa ideia?
Richard Nash -- Nós [editores] estamos tão propensos a ignorar a boa literatura como a encontrá-la. A verdade é que ninguém jamais foi consistentemente capaz de "descobrir" a grandeza, nem sequer a comercial, assim como quem aposta em corridas de cavalo não é tão bom no que faz. Isso em parte porque a grandeza não é só intrínseca à obra, é também contextual, tem a ver com o momento.
O sistema editorial será melhor quando se focar na produção de cultura, em oposição à descoberta de arte.

Acredita que direitos autorais se tornem algo ultrapassado?
Um estudo recente indicou que a indústria editorial na Alemanha do século 19 era mais robusta sem copyright do que a inglesa com copyright. Direitos autorais existem para facilitar aos editores, num mundo analógico, ter retorno sobre seu investimento e impedir concorrentes de copiar seu produto.
Em retrospecto, eles provavelmente não eram necessários na era analógica e certamente não são viáveis agora. A receita não virá de fazer cópias de coisas. Virá de serviços, palestras, produtos associados. São formas mais sofisticadas de gerar receita a partir de ideias e histórias.

E como ficaria o autor?
À medida que o direito de proibir cópias (o copyright) se torna menos importante, o de ser identificado como autor do trabalho ganha força.

O direito de marcas suplanta os direitos autorais como apoio legal para a economia da escrita. É o que pode me impedir de fingir ser Malcolm Gladwell e ganhar US$ 50 mil para falar a um grupo que tenha gostado do livro "Blink".

Se sua marca é forte, você pode licenciá-la sob termos restritivos a outros, como a Amazon fez agora com sua plafatorma de "fan fiction", com autores autorizando histórias baseadas nas suas.

E essa criação se torna parte de um grande fluxo remixável na sociedade. Queremos todos a camiseta do artilheiro. Isso ele controla, mas todos tentam copiar a forma como o gol foi marcado.

Agora, mesmo sem copyright, muitos preferem o vendedor autorizado. Nos EUA, a moda é manter a etiqueta da loja no boné de beisebol. Autores como E.L. James sempre surgirão, como memes. É um "Gagnam Style" [música pop sul-coreana que virou mania] do mundo literário, livros comprados simplesmente porque todos estão comprando.


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