terça-feira, 9 de julho de 2013

"Guerras e tormentas - Diário de um correspondente internacional", Rodrigo Lopes


Taí. Parece interessante. Gosto do assunto. Encomendei. E leiam o artigo de Carlos Alberto Di Franco publicado hoje na íntegra pelo Estadão e resumido pelo Globo.

"Prendo a respiração, tento puxar o ar pela boca, mas o cheiro dos cadáveres em decomposição invade todos os meus sentidos. Volto alguns passos, penso em não olhar. Mas, como jornalista, sinto o dever de escancarar a realidade crua. Na escola, há pelo menos dez corpos insepultos, na quadra de futebol, ao sol. Pobreza, porcos misturados a pães, arroz e bananas e trânsito confuso sempre fizeram parte do dia a dia dos haitianos. Até o cheiro forte da comida temperada e exótica é antigo conhecido dos brasileiros. A diferença, agora, é que tudo isso está misturado ao cheiro de morte. Assim é o Haiti. Homens e mulheres que podem sofrer tragédias violentas uma ou duas vezes, ou até três - e depois sofrer ainda mais."

O relato em primeira pessoa do jornalista Rodrigo Lopes, repórter multimídia e correspondente internacional do Grupo RBS, mostra a garra da reportagem de qualidade. A adrenalina da guerra, o infindável sofrimento de povos castigados pela força misteriosa da natureza, o registro de momentos de admirável grandeza moral, um impressionante mosaico do drama humano, batem forte no leitor. O texto está despido de sensacionalismo, mas carregado de paixão. E o que seria do jornalismo se faltasse o fascínio do repórter por seu ofício? Rodrigo Lopes, um jornalista jovem e tarimbado, não é um espectador neutro da história. Ainda bem. Derramou lágrimas. Manifestou indignação. Vibrou com fagulhas da vida humana. Guerras e Tormentas (BesouroBox Edições) é um mergulho do repórter nos principais acontecimentos deste início de século. Vale a pena.

"23h do dia 5 de abril, uma terça-feira. Sentado no chão gelado de paralelepípedos da Via della Conciliazione, sinto-me como uma ilha, cercada de gente por todos os lados. Para onde olho, há pessoas chorando, rezando, cantando." A multidão passa diante do corpo do papa. "São 5h48m. Um arrepio percorre o meu braço direito. Estático a dois metros de João Paulo II, é como se o tempo parasse. Os fiéis passam por mim. Prendo o passo, ando devagar, para que o guarda não perceba que quero ficar mais tempo. Ganho uns 15 segundos extras. Mas não é mais possível ficar. Um segurança se aproxima e interrompe meu êxtase. Proibido celular - ele diz. Os 10 minutos mais emocionantes da minha vida se encerram em duas frases, ao vivo para o sul do Brasil: Tenho que desligar a pedido de um segurança. Voltamos a qualquer momento... Sigo caminhando, à direita do caixão. Tempo apenas para uma foto. Ao sair da basílica, o azul matutino do céu de Roma se abre na praça. Meu telefone toca: Seu f.d.p, me fez chorar! Do outro lado da linha, Luciano Wilson, meu amigo de infância, o Jesus das encenações da via-sacra do nosso bairro, nos tempos do grupo de jovens da igreja."

Luciano representa a cabeça do leitor médio. Ninguém resiste à magia da reportagem. Os jornais, prisioneiros das regras ditadas pelo marketing, estão parecidos, previsíveis e, consequentemente, chatos. Precisam, com urgência, recuperar a capacidade de surpreender e emocionar o leitor.

A revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as prioridades estratégicas das empresas de comunicação. É preciso seduzir o leitor com matérias que rompam com a monotonia do jornalismo declaratório. Menos Brasília e mais vida. Menos aspas e mais apuração. Menos frivolidade e mais consistência. Além disso, os leitores estão cansados do baixo-astral da imprensa brasileira. A ótica jornalística é, e deve ser, fiscalizadora. Mas é preciso reservar espaço para a boa notícia, para o empreendedorismo, para a inovação. Tem muita coisa interessante acontecendo. A boa notícia existe. E vende jornal. O leitor que aplaude a denúncia verdadeira é o mesmo que se irrita com o catastrofismo que domina muitas de nossas pautas.

Precisamos, enfim, combater a síndrome ideológica que ainda persiste em alguns guetos anacrônicos. Seu exemplo mais acabado é a patologia dos rótulos. Alguns jornalistas não perceberam que o mundo mudou. Insistem, teimosamente, em reduzir a vida à pobreza de quatro qualificativos: direita, esquerda, conservador, progressista. Tais epítetos, estrategicamente pendurados, têm dupla finalidade: exaltar ou afundar, gerar simpatias exemplares ou antipatias gratuitas. A boa reportagem é sempre substantiva. O adjetivo é o adorno da desinformação, o farrapo que tenta cobrir a nudez da falta de apuração. É, frequentemente, uma mentira.

A apuração de faz de conta representa uma das maiores agressões ao leitor. Matérias previamente decididas em redutos sectários buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não se apoia na busca da verdade. É um artifício para validar a premissa que se quer impor. O pluralismo de fachada, hermético e dogmático, convoca pretensos especialistas para declarar o que o repórter quer ouvir. Mata-se a reportagem. Cria-se a versão.

É importante que os repórteres e os responsáveis pelas redações tomem consciência desta verdade redonda: a imparcialidade (que não é neutralidade) é o melhor investimento. O leitor quer informação clara, corajosa, bem apurada. Não devemos sucumbir à tentação do protagonismo. Não somos construtores de verdades. Nosso ofício, humilde e grandioso, é o de iluminar a história.

Inúmeras foram as reflexões suscitadas pelo excelente texto do repórter Rodrigo Lopes. O leitor, em qualquer plataforma, evita os produto sem alma. Recusa as tentativas de engajamento ideológico. Quer matérias interessantes, pautas próprias. Quer menos burocracia e mais criatividade. Quer menos jornalismo de registro e mais reportagem de qualidade. Quer um jornalismo rigoroso, mas produzido com paixão.

Carlos Alberto di Franco é doutor em comunicação pela Universidade de Navarra e diretor do departamento de comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais.

Para saber mais, clique AQUI.

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