sexta-feira, 12 de abril de 2013

"Repórter no volante", Sylvia Moretzsohn



Está sendo lançado. É sobre histórias de motorista de redações. Já encomendei meu exemplar. Convivi com muitas dessas feras e mostro aqui para quem quiser e tiver tempo de ler uma crônica que escrevi sobre o saudoso Dodô do Globo. 

Dodô e o Judas

"QUEM TRABALHOU NO GLOBO, na década de 70, lembra dele. Chamava os filhos do homem de Robertinho, Joãozinho e Zezinho e dizia que tinha sido motorista do velho Irineu. Dr. Roberto era Dr. Roberto. Mas quando era demitido e precisava do apoio do homem, virava Roberto mesmo. Certo dia, numa dessas vezes, interpelou o patrão com sua voz miúda:

- Roberto, aquele filho da puta do meu chefe me demitiu mais uma vez...
E chorou diante do nosso saudoso ex-companheiro, que sempre arranjava um jeito de contornar a situação.

Tinha o hábito de dormir no carro da reportagem, assim que chegava para trabalhar. Já no final da carreira, era escalado para fazer a madrugada. Pequenas tarefas como buscar algum repórter retardatário no centro da cidade ou pegar o mapa do tempo.

Como já era um sexagenário (ou seria um septuagenário? Não sei direito) costumava esquecer que o Rio de Janeiro mudara bastante, e ignorava os túneis Santa Bárbara e Rebouças. Uma corrida para o Leblon, por exemplo, era um verdadeiro tour pela cidade: descia pela rua Marquês de Pombal, entrava pela rua do Riachuelo, Lapa, Glória, Flamengo. Aterro? Nem pensar? Ia mesmo por Botafogo, Túnel Novo, Copacabana, Ipanema, e, finalmente, Leblon. Os “focas” estranhavam, mas ficavam calados. Os veteranos avisavam logo ao sair:

- Dodô: vamos ao Leblon, mas pelo túnel, tá bom?

Um dia, quando saiu para buscar o mapa do tempo, desapareceu. Meia-hora, uma hora, duas horas... nada do Dodô. O saudoso Deodato Maia, secretário de Redação, acostumado com os sumiços da figura, deu aquele grito característico que costumava acordar até o Zé Luiz (um negão que quebrava todos os galhos na redação, e que também tinha o hábito de dar as suas cochiladas):

- Cigarrinhoooooooooooooooo! Corre atrás do Dodô que ele sumiu.

Cigarrinho, outro faz-tudo da redação, não precisou ir longe. Bastou virar a rua Irineu Marinho para avistar, de longe, a antiga Rural parada na esquina de Marquês de Pombal com Mem de Sá: no volante, dormindo, Dodô.

Uma vez, ficou mais de um mês sem falar com os colegas de trabalho – aí incluído motoristas, repórteres, fotógrafos, chefes e até o pipoqueiro que fazia ponto na porta do Globo. Também, pudera. Era época de malhação do Judas, e alguém arranjou um boneco daqueles. Os carros da reportagem eram as antigas Brasília de quatro portas. Um sacana colocou o Judas no banco de trás da Brasília, tocou no ombro de Dodô e determinou:

- Dodô: vamos para Copacabana.

Às gargalhadas, os outros sacanas acompanharam Dodô ligar o carro e seguir caminho em direção à Rua Riachuelo. Souberam depois que, ao atravessar o Túnel Novo, naquele tour característico, Dodô, olhou pelo retrovisor e perguntou:

- Que rua de Copacabana? “

Silêncio total.

- Que rua de Copacabana, pô? – insistiu.

Na terceira, virou-se para trás e viu o boneco estendido no banco. Dizem que Copacabana inteira ouviu o grito:

- Filhos da puta!!!!

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